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Luz, câmera e ação em um trabalho repleto de descobertas para a vida.
O Documentariando é o resultado de um trabalho que foi desenvolvido por meio da Lei Rouanet e que foi sendo elaborado no ano de 2023 com a prática de oficinas que foram preparando os participantes que faziam parte do antigo CAJ 2.
Foi uma longa jornada repleta de desafios desde o início. A turma inicial era composta por um grupo maior, a escolha do tema foi difícil pois eram muitas ideias, ao longo do caminho o grupo foi diminuindo, a equipe também sofreu mudanças até formar o time que se comprometeu de verdade para fazer acontecer. O tema escolhido precisava falar com a turma, algo que fizesse parte de suas realidades e que de alguma forma fortalecesse o aprendizado não só tecnicamente, mas principalmente como indivíduos. Assim foi escolhido o tema “Desigualdade Social”.
Tema escolhido o próximo passo era falar sobre a estética do documentário. Em um primeiro momento não é um gênero que as pessoas gostam, já logo se tem a ideia de algo muito didático, lento e por vezes chato, foi preciso romper esse preconceito com exemplos cotidianos que têm o formato de documentário mas passa despercebido. O professor Gustavo Batistão, responsável por conduzir essa turma nessa jornada do Documentariando teve um papel fundamental para que todos fossem envolvidos e mergulhassem nesse projeto. Ele conta um pouco dos desafios de ministrar as oficinas de documentário.
“Quando nós começamos, o projeto tinha uma cara, mas foi passando por uma série de idas e vindas para ser adequado, como tem investimento de dinheiro público era preciso todos esses ajustes, inclusive no planejamento de tempo para entregar no prazo. Eu estava acostumado a dar aula para pessoas mais velhas, mas aqui eu estava lidando com adolescentes pela primeira vez para falar sobre documentário, era preciso encontrar uma narrativa acessível, isso levou um tempo.
A necessidade de pesquisar, de aprender a usar os equipamentos, de falar com pessoas, tudo isso trazia uma grande expectativa na turma de lidar com o vídeo e com a câmera, era preciso organizar os interesses, lidar com diversas situações que demandaram uma construção ao longo do processo de aprendizado. Eu só fui entender efetivamente a dinâmica do trabalho na sua reta final, tanto é que o nome Documentariando surgiu disso, pois ele era relacionado com a desigualdade social, como tema central, e foi sendo construído ao longo do projeto.
Documentário é um assunto que afasta as pessoas, a maioria tem uma percepção que é um formato chato, moroso, didático, é um gênero indigesto mesmo. Foi um desafio quebrar essa visão que existe, mas assim que a turma começou a sair, entrevistar as pessoas, saber mais profundamente da vida delas, criando um documento investigativo, isso foi abrindo a visão deles. Eu dei exemplos como o do futebol e de uma matéria jornalística, que tem um formato de documentário ali que eles veem todos os dias, e isso também ajudou a desmistificar esse olhar de que o documentário é chato.
A grande novidade para a turma foi manusear a câmera, acho que muitos deles nunca tinham tido esse contato. Eles estão com o celular o tempo todo, que já tem uma câmera, e isso traz uma noção de linguagem visual para eles, Muitos mostraram boa desenvoltura e fizeram captações muito legais. Outra coisa que chama a atenção é que eles querem falar e perceberam como eles podem fazer isso por meio de um formato que é o documentário, todo tem muito potencial.
O tema sobre o preconceito e as questões raciais nortearam o documentário, ao longo do processo eles foram se identificando com as histórias, com os depoimentos e certamente amadureceram com essa experiência. Talvez nas questões de mercado de trabalho eles ainda não tenham tanta noção do peso das desigualdades sociais pois ainda são muito jovens, mas certamente chegam mais preparadas, com mais conhecimento da realidade deles.”
Ao longo das oficinas, os participantes passaram por várias etapas de aprendizado necessários para a produção de um documentário que destacamos abaixo.
PESQUISA
O pesquisador é um profissional fundamental na produção de um documentário. É ele quem vai avaliar a aplicabilidade da ideia do filme. Os personagens têm profundidade e estariam dispostos a contar suas histórias? Aonde seriam as filmagens? Que elementos participarão da cena? Existe material de pesquisa (arquivos) para enriquecer o audiovisual? Tudo isso deve ser respondido nesta etapa.
PLANEJAMENTO
Planejar um documentário envolve tanto a organização de elementos técnicos (como os equipamentos a serem utilizados nas filmagens), como aspectos mais burocráticos (licenciamento de materiais utilizados e autorizações de uso de imagem dos personagens entrevistados, por exemplo).
ARGUMENTO
O argumento de um documentário pode ser escrito durante ou após a pesquisa. Comumente, esse é o documento apresentado a potenciais financiadores ou submetido a editais. Ele deve vender a ideia que o documentário quer contar e explicar a sua relevância (com base no que foi levantado na pesquisa).
ROTEIRO
O roteiro (também chamado de pré-roteiro em documentários) vai estabelecer a ordem das filmagens e dos personagens a serem entrevistados. Pode elencar objetos e trazer especificações sobre a abordagem pretendida no filme. Novamente, é importante ter em mente que muita coisa pode mudar durante as filmagens.
FILMAGEM
A filmagem de um documentário precisa mesclar com sabedoria o que foi planejado e o que surge no improviso, afinal, existe um cronograma de filmagem (e montagem) a ser seguido. É importante que ele seja flexível e, sempre que possível, tente entrevistar personagens principais mais de uma vez.
ILUMINAÇÃO
Para uma boa captação de imagens é preciso levar em consideração as condições da luz, se as filmagens vão ser externas ou internas, entre outras variáveis. Para isso existem equipamentos adequados que precisam ser conhecidos. A luz também pode ser um elemento que traz mais dramaticidade ou leveza de acordo com a intenção do documentário.
SOM
O som também precisa ser considerado durante as etapas de roteiro para que seja executado propriamente nas filmagens e na edição. É possível trabalhar com o som direto (o que é captado durante as filmagens) e mesclá-lo criativamente com sons produzidos em estúdio (como trilhas e efeitos sonoros). O som, no entanto, é um aspecto crítico: se for mal captado, não será possível refazê-lo.
EDIÇÃO
A montagem de um documentário é responsável pela estruturação final da narrativa pretendida. Aqui acontece o que chamamos de “terceiro filme”, feito a partir do material bruto, sem apego às formulações originais. A realidade do que foi filmado se impõe!
Todas essas etapas foram abordadas para que os participantes tivessem essa gama de conhecimento para a produção de um documentário que envolve uma série de habilidades. O interessante é que uma vez tendo um objetivo a partir de um tema ligado diretamente as realidades dos envolvidos, o sentido do fazer com interesse traz outras formas de aprendizado muito mais intensas. Quando eles produzem um roteiro escrito para depois fazer o filmado, estão praticando a redação, quando eles têm que fazer registro de imagens tem que ter um olhar amplo sobre os espaços, as distâncias, os elementos visuais do ambiente, a luz, sombra, então eles têm questões para resolver e isso vai levando a soluções que trazem o aprendizado do português, da matemática, entre outras experiências, de uma forma muito mais interessante, com sentido.
Como em qualquer produção cinematográfica, a escolha dos equipamentos utilizados pode fazer toda a diferença no resultado final do documentário. Porém, dependendo do tema do filme, é preciso que essa atenção seja redobrada. Era preciso saber se as gravações seriam à noite e se poderia contar com uma grande estrutura de som e iluminação para a captação das cenas de cobertura (as que não são de depoimento). Outro ponto a ser considerado é o ambiente utilizado para essas cenas, uma vez que até o aparato técnico pode impactar na execução da obra.
Os oficineiros foram responsáveis pela orientação na aquisição desses equipamentos, o que fez parte do processo de aprendizado dos envolvidos para uma produção mais adequada ao projeto. Por meio da Lei Rounaet foram feitos investimentos em equipamentos que pudessem atender as necessidades do trabalho proposto.
Com organização da equipe e equipamentos definidos a turma foi a campo, fizeram entrevistas, conheceram personagens reais e suas histórias, puderam em seguida fazer as edições utilizando a sala de vídeo maker no CETECC, sonorizar com a ajuda de um voluntário e assim em dezembro de 2023 o filme bruto estava pronto. Outras etapas foram sendo executadas, houve a preocupação de contemplar o áudio descritivo e libras que nesse contexto é fundamental.
Para Valéria Dolme, diretora do CETECC e organizadora do Documentariando, a estreia do documentário no auditório do CETECC foi um momento muito especial.
“Para mim é a realização de um sonho, quando chegamos aqui com um projeto todos temos muitos sonhos, mas encontramos muitos desafios para realizá-los, não é fácil! Mas este foi um grupo que batalhou junto, que se esforçou, eu nunca me senti sozinha pois todos queriam essa realização. Então fica um sentimento de missão cumprida, de aprendizado para todos, principalmente para a turma do Documentariando que foi protagonista desse trabalho!
O tema “Desigualdade social” surgiu a partir da escrita dos próprios jovens, como eles sentem isso na pele, as práticas de ler, escrever, fotografar, trouxe um olhar sensível para o registro e fez com que o trabalho fosse construído com autenticidade e fixação de aprendizados na prática.
Vamos terminar todas as etapas desse projeto e entregar com a documentação necessária do edital. Vamos trabalhar agora para que haja a possibilidade de um novo curso que gere um novo documentário, pois é algo que encanta e que traz possibilidades de comunicação e expressão, de olhar o mundo e enxergar problemas discutindo de maneira séria, de amadurecer sobre essas questões que incomodam, esse projeto traz um crescimento profissional, mas também pessoal para quem participa, isso empodera a todos como agentes transformadores, abrindo muitas possibilidades.” Letícia Mayara Clementino Bezerra que foi a Orientadora dessa turma também se emocionou na estreia:
“Foi um desafio pois o projeto começou com outra turma, outra orientação, então começou tudo muito confuso. Eu venho de outra área das artes, que de alguma forma está ligada ao audiovisual, mas de outra maneira, então foi um aprendizado.
No início a turma foi muito resistente pois não sabia como ia funcionar, a questão do uso da imagem, de falar, colocar a cara mesmo. Para fazer alguns ensaios eles ficaram resistentes, mas depois de terem acesso as ferramentas, cresceu a curiosidade e eles foram se engajando mais e mais e ao final gostaram muito de participar em cada etapa do Documentariando.
O tema foi muito difícil de escolher, a turma era maior e então cada um tinha uma ideia, até chegarem a um tema comum foi bem trabalhoso, com tudo o que eles trouxeram conseguimos alinhar o tema sobre desigualdade social que abrange muitas das questões que eles vivem.
Hoje vendo todos aqui, a turma que participou como protagonistas desse projeto com seus pais, assistindo o resultado, foi realmente incrível.
No dia da estreia falamos com Maria Eduarda e Gabriel Cauã, que participaram do projeto desde o começo.
“Eu não tinha a menor noção do que era fazer um documentário, mas quando surgiu a oportunidade eu fui a primeira a aceitar e foi ótimo.
Eu participei de tudo um pouco, da câmera, das gravações com as pessoas e da iluminação das entrevistas. O mais difícil foi controlar a luz, cada hora tem que posicionar de uma maneira até ter o melhor resultado. Meus maiores aprendizados foram nas áreas de comunicação, no manuseio da câmera e da luz.
Maria Eduardo Marcelino
“Eu sabia o que era um documentário, mas só assistindo, não produzindo, foi uma experiência bem legal. O mais desafiador foi falar com as pessoas, pela timidez, e isso me ajudou pois nas primeiras entrevistas eu estava mais travado e ao final eu já estava mais solto.
O grande aprendizado foi o que o tema trouxe a realidade dura do preconceito no nosso país que revela como as pessoas negras sofrem no Brasil e no mundo.
Gabriel Cauã Silva
O documentário traz muitas reflexões por meio de histórias inspiradoras, que encorajam outras pessoas que sofreram e ainda sofrem com o racismo a não desistirem.
O documentário agora vai ser exibido em cerca de 10 escolas escolhidas na comunidade. Nessas ocasiões serão promovidas rodas de conversa, e os participantes vão falar sobre todo o processo de produção desde a escolha do tema até o resultado final do documentariando.
O documentário também já foi exibido no MOVA Safrater e no CCA e deve passar por outras unidades da Safrater. A ideia é que o Documentariando tenha continuidade e possa produzir outros conteúdos cinematográficos e futuramente seja mais um curso oferecido pelo CETECC, inspirando assim os jovens nessa trilha de possibilidades de conhecimento.
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